domingo, 22 de novembro de 2009

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Caso UNIBAN



Geralmente procuro evitar as questões que estão sendo discutidas, mas acredito que este caso ajuda a pensarmos um pouco (ao menos) a questão do corpo, especialmente em nosso país tropical.

RUY CASTRO - FOLHA


Perna de fora

RIO DE JANEIRO - Nelson Rodrigues disse certa vez: "Só o rosto é obsceno. Do pescoço para baixo, podíamos andar nus". Nunca essa frase caiu tão bem quanto no caso da estudante Geisy Arruda, agredida por seus colegas da universidade paulista Uniban por usar um vestido curto, expulsa pelos diretores e, diante da grita universal contra a escola, readmitida por estes.

Para Nelson, a obscenidade não estaria no naco de perna da menina, mas no rosto de seus algozes. Ele se perguntaria se, ao passar a mão na cara, os diretores não sentiriam "a própria hediondez". E tão imoral quanto a expulsão é o "perdão".

A readmissão de Geisy não cancela a violência e as humilhações. Só se deu porque a Uniban -bombardeada pelo MEC, o MP, o Congresso, a Secretaria de Mulheres, a ABI, a OAB, a UNE, a imprensa e inúmeros pais e mães com filhos em idade universitária- viu futuras matrículas batendo asas aos milhares. Invejável prepotência a desses diretores, que não previram tal reação.

No plano internacional, a Uniban e o Brasil são motivo de chacota. Que país é este, famoso por suas mulheres quase nuas nas praias, nos cartões postais e nos comerciais de TV, que não admite um vestido pouco mais curto que o de Julie Andrews em "A Noviça Rebelde"?

Roga-se endereçar a questão aos 700 agressores de Geisy. Mesmo que ela possa voltar à escola para completar o ano, os brutos continuam por lá, com seu moralismo rançoso, sua coragem em multidão e, quem sabe, prontos para uma nova "reação coletiva de defesa do ambiente escolar".

Belo ambiente. A Uniban, quarta maior universidade do Brasil em matrículas, está em 159º lugar entre 175 avaliadas. Ou seja, é a 16ª pior do país. Isso diz mais sobre o lamentável estado da educação entre nós do que cinco centímetros de perna de fora

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

O tempo gravado em meu corpo


Este é um conto que publiquei primeiro em doce de pandora (http://docedepandora.blogspot.com/), mas como ele trata do quanto a marcação do tempo pode ser gravada em nós e o quanto ela é criada, achei pertinente publicar o conto aqui.

Glauber é um nome comum escolhido pensando na palavra "glaube", que em alemão significa pensar, ich glaube = eu penso, então Glauber seria um pensador. Não significa que ele é dos melhores, ou pensa e chega a conclusões mirabolantes, mas questiona as coisas ao seu redor. A idéia é que cada um de nós é um "Glauber".

E lhes deixo com o conto...



O TEMPO DE GLAUBER


Havia algo que incomodava muito a Glauber, o tempo. O problema nem era tanto o passar do tempo, mas sim a contagem tão exata deste tempo. Não sabia dizer se era um progresso da humanidade, ou uma droga que ajuda a chegar mais rápido ao fim. A coisa estava tão complicada que praticamente não precisava mais de relógio, pois ele era programado como se fosse um relógio. Começou a refletir sobre isso depois que entrou no escritório às 10 horas e quando pensou que deveriam ser 10 e quinze, eram dez e quinze. Problema nenhum até ai, mas durante toda aquela semana percebeu que previa o tempo por margem de erro de no máximo dez minutos, sem olhar para o relógio. Percebeu que depois de certa hora, não conseguia mais dormir, mesmo aos finais de semana. O tempo estava tão contado e racionalizado que seu corpo já respondia sozinho. Quando seu ônibus atrasava um minuto, já sabia todas as implicações que isto lhe traria. Sabia tudo o que passaria. Desde chegar mais tarde em casa, até os minutos a menos, que necessitava deles sobrando para pegar o ônibus no horário.

“Problema nenhum em ser pontual”, disse Joyce sua amiga do escritório, quando Glauber havia contado a ela sobre este aparente problema. E ele se recordava de quando era pequeno, e não possuía noção alguma de tempo. As férias eram quando estava quente, mas no meio de todo aquele calor. E junto com as férias vinha o natal, então o verão era a melhor época do ano, podia tomar sorvete e banho de piscina, mas sempre separados por um intervalo de uma hora. Sempre ouvia “espere uma hora”. O que acontecia era que ficava perguntando inúmeras vezes para sua mãe, “já deu uma hora?”, e ela lhe respondia muitas vezes que não. Outras vezes preferia fazer outra coisa e quando se dava conta sua mãe já o chamava para tomar café. Sabia que sexta era o dia bom, não precisava fazer tarefa, e não ia para a aula no outro dia. Mas esperar uma semana era algo inimaginável para sua infância. Só tinha consciência de que o natal demorava muito mais para chegar do que a sexta-feira.

Na verdade nunca deu muita bola para o horário. Na escola era só seguir o fluxo. Se todos saiam para o recreio, ele também saia, se todos entravam de volta na sala ele também entrava. Mas aos seus quinze anos ganhou de presente um relógio. O regulou e o colocou no pulso. Começou a aprender a contar as horas, saber que perto das dezessete o trânsito virava um caos. Antes quando voltava para casa, saltava em algum ponto por perto e ia andando, chegaria lá. Depois começou a montar cronogramas com os melhores horários de ônibus para ele pegar. A coisa foi ficando tão brava que sabia as horas já automaticamente, até os minutos. Ficava mais pensando no tempo que estava passando, do que no que estava fazendo. Isso o agoniava.

A pergunta que se fazia desde que percebera isto tudo, era se os outros também eram assim tão mecânicos, ou ele era o “homem-do-tempo”? Isto o incomodava e muito. Ou tudo poderia ser só uma conseqüência da velhice. Mas descartou esta hipótese assim que leu um texto sobre o tempo na idade média. Ele falava sobre a medição de tempo. Ela era completamente inexata. Mal se possuía a noção de meia hora, era um luxo ter um relógio em sua cidade. Relógio como hoje, um em cada canto, era algo impensável. Nem se contava os anos direito, se dizia que nasceu no ano de tal santo, no mês de outro tal e no dia (ou tantos antes, ou tantos dias depois) de outro seguinte. “João da Antuérpia, filho de Pedro da Cornualha, nascido no dia de São Cosme, no mês da morte de Cristo, três dias antes do dia de São Paulo”, era assim que se apresentavam antigamente, lógico, os que se dizia valerem a pena apresentarem-se. E o que Glauber percebe era de que o tempo medido é a mais pura invenção dos homens. Se perguntava como deveria ser viver na terra selvagem, no meio de toda aquela imensidão, e não perceber que o tempo vai passando. Será que o meu cachorro sabe que está velho e logo vai morrer? Uma série de questões passaram por sua cabeça.

E quando tentou contar elas a Joyce, ela riu e perguntou o que ele usava, já que ela queria um pouco também. Fizera essa piada boba, e Glauber fingiu que brincava também. Mas tudo aquilo que pensava sobre o tempo ainda estava em sua cabeça.

domingo, 8 de novembro de 2009

Arqueologia dos Prazeres - Dia 30 - 19h - Auditório BLoco J FURB

por Nathália Perdomo


“Nunca a destruição, mas a moderação. Não o excesso, mas o equilíbrio, a medida, a ocasião apropriada, os modos. Por isso, o uso dos prazeres requer um saber dos prazeres, um saber que pode regulá-los de acordo com o melhor. Os prazeres podem ser uma força perturbadora, mas apenas quando estão sem rédea, sem comando, sem seu cocheiro, para usar mais uma metáfora platônica”.
Arqueologia dos Prazeres é o mais recente livro de Fernando Santoro, professor do Departamento de Filosofia da UFRJ, que resgata a discussão acerca das relações dos prazeres entre os filósofos gregos. Para saber mais sobre o livro confira abaixo o papo com o autor.
Em seu livro Arqueologia dos Prazeres, você comenta que os gregos associavam os prazeres ao sofrimento. E hoje, a cultura ocidental associa o prazer a que?

Quando digo que os gregos associavam o prazer ao sofrimento isso quer dizer primeiro que o sofrimento e o prazer ocupam o mesmo campo de problematização moral referente à realização de uma vida humana virtuosa e feliz. Mas esta associação é mais íntima do que a natural associação entre dois opostos. Significa que em muitos casos a proximidade alcança a própria ambigüidade: prazeres que trazem dor, dores que trazem prazer; e é justamente nesse campo da ambigüidade que o saber filosófico é mais requisitado, porque deixam de valer distinções infantis e o campo da construção dos valores e dos sentidos da existência entram em jogo, abrindo espaço para a liberdade e a autenticidade. Os códigos morais gregos não visavam padronizar os homens sob regras de conduta, mas antes possibilitar que os indivíduos construíssem um estilo de vida coerente com si mesmos. Hoje, o prazer não é visto como um valor no campo da construção da liberdade, mas antes como uma experiência de consumo. Consumo tanto dos objetos, quanto dos que os usufruem. Mesmo os prazeres oriundos dos objetos que, naturalmente, se consomem, como bebidas e comidas, eram vistos pelos gregos não pela lógica do consumo, mas da repleção. De modo que acreditavam que o prazer era alcançar uma plenitude, e não gastar ou gastar-se. Mas estes prazeres eram também considerados mais vulgares. Os prazeres dos grandes mestres gregos associavam-se mais à atividade do que à passividade: a amizade, o amor, o refinamento da sensação, a própria filosofia eram vistas como as atividades mais prazerosas. O consumismo contemporâneo tende a esvaziar o prazer da vida e o próprio gozo dos objetos. Por isso, é sempre urgente repensar o que significa para nós a felicidade, tanto no campo do exercício das virtudes, quanto no desfrute da vida. Para Epicuro, a sabedoria dos prazeres estava em encontrá-los à mão: figos, mel, uma fonte de água pura, a boa conversa entre amigos.

A indústria de consumo pode ser apontada como a principal responsável por fomentar desejos na cultura contemporânea? Você considera isso um risco proposital “oferecido” pelo regime capitalista?

A felicidade, o prazer, o gozo estão sempre ligados aos desejos. Muitos gregos, principalmente os cínicos e estóicos, mais moralistas, associam o desejo à dor. O desejo é conseqüência da falta, da carência. De modo que por mais riquezas que alguém possuísse, se seu desejo não era aplacado, ele continuava carente, e de um modo muito real era mais pobre do que alguém de poucos recursos, porém com poucas necessidades. Sócrates tornou esta equação mais complexa, vendo que o desejo, o amor, não eram apenas filhos de carência, mas também a expressão de um recurso vital que busca não apenas alcançar um bem, mas também gerar e produzir os bens. Tomados de desejos não ficamos apenas carentes de coisas belas, mas nos movemos para gerá-las. A lógica do desejo no capitalismo tem uma dimensão perversa porque a produção não se move para preencher as necessidades e os desejos; mas, inversamente, primeiro se produzem desejos e carências e depois a produção se move para supri-los. O capitalismo, quanto mais rico mais produz carência. E não estou falando da perspectiva marxista da mais-valia e da apropriação do trabalho. Estou pensando, justamente, no consumidor que possui recursos. Para ele, a engrenagem da propaganda produz uma carência infinita, que não pode nunca ser suprida, sempre há um novo supérfluo que é transformado em necessidade. Quem vive hoje sem um celular, sem uma televisão? No entanto, há poucas décadas estas necessidades sequer eram cogitadas de existir. O perverso do capitalismo é que até o rico se torna carente, como na dialética hegeliana do senhor e do escravo.

Como você vê a crítica da imprensa sobre o seu livro, especificamente? Em geral, as críticas são levianas?

Ainda não posso falar de críticas da imprensa, porque ainda não chegaram. As primeiras manifestações vieram de um campo fora da literatura e da filosofia, por conta do apelo do título. A imprensa que se mobilizou até o momento buscou no livro conteúdos eróticos ou de consumo, justamente! Mas não vai encontrar exatamente o que espera — afinal é um livro para se pensar, não para consumir. Apareceu uma matéria no caderno “Ela” do jornal O Globo, que tende a tratar as mulheres como as maiores consumidoras. O título era “Filósofo e Gato”; obviamente, o gato não era eu, mas o Chico Bosco que também está lançando um livro na coleção filosófica. O jornalista que tentou ler o meu livro, disse que era muito difícil, tinha palavras estranhas como “complexificar” (posso garantir que tem umas cem palavras mais estranhas do que essa, entre os conceitos morais dos gregos) e ficou insatisfeito porque a arqueologia só foi dos primórdios até Epicuro, ainda muito longínquo (sic).

Como surgiu a idéia de escrever Arqueologia dos Prazeres?

A idéia começou a ser gestada quando Mirian Goldemberg, professora de antropologia do IFCS, me propôs de ministrarmos um curso em conjunto, para estudantes de ciências sociais e de filosofia. Resolvemos preparar um curso sobre a História da Sexualidade de Michel Foucault, mais especificamente sobre o segundo livro “O Uso dos Prazeres”, que é uma obra que aborda os gregos para revirar alguns conceitos contemporâneos sobre a sexualidade, principalmente a idéia errônea de que o discurso sobre a sexualidade era resultado de uma liberação recente de temas recalcados até o séc. XIX. Montamos o curso, juntando duas turmas das duas faculdades e reunimos, de um lado, as pesquisas de Mirian sobre os discursos de sexualidade no Brasil atual e, de outro, as minhas pesquisas em torno das fontes gregas. O curso me empurrou para a literatura filosófica sobre o tema e acabei montando, na Casa do Saber, um mini-curso em seis lições que já se chamava Arqueologia dos Prazeres e foi a espinha dorsal do livro. O curso teve boa repercussão e a editora Isa Pessoa, da Objetiva, me convidou para abrir a sua coleção filosófica. Com isso, refugiei-me na montanha e escrevi a maior parte do livro neste verão, à beira agradável de um córrego...


sábado, 7 de novembro de 2009

Fragmentos de corpos

Lynn...

On drums:


In tub:


Upskirt:



...quer mais?

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

O Reino da Pele - Contador Borges

Imerso em treva
o corpo
cada vez mais leve
vai ao fundo
de tudo
além de seu termo
difuso
anatômico
mais perto (quem
sabe do Hades?)
onde nem
a linguagem
alcança
a diminuta
sombra
do sonho indelével
de quando
a regra era a pele
sob o império
dos toques
e as marés internas
do vermelho ao púrpura
seu maior alicerce.

Quando se morre
o estômago
é a primeira parte
que se dissolve
mas e os olhos?
sei que se fecham
e sob as pálpebras
(relaxadas)
se dilatam
mas as imagens
de que são feitos
as palavras
também não voltam
ao lugar
de onde vieram
somente os ossos
respondem
ao encanto
como um poema
em branco.

p 24-25

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Será que eu pus um grilo na sua cabeça?*

Parece tão mais interessante quando pensamos que somente nós conhecemos determinada banda, ou autor, ou filme. E parece ainda mais interessante quando encontramos algumas pessoas - ou seja, um pequeno número - que a "isso" também conhece. E então se desvela uma conversa prolongada de amantes de um mesmo tema, e suas minúcias, e segredos, e aquilo que ninguém mais além do "bando" vê. Inocentes. E se fetichisa mais e mais...Delícia.

Mas não é o que acontece quando se trata de uma banda como Kid Abelha. Quem nunca ouviu Kid Abelha? Mesmo que sem querer. No ônibus, no táxi, no rádio do vizinho? Para os mais novinhos e odiosos das músicas mais tocadas na rádio, talvez tenham ouvido em uma daquelas noites flash back que foi porque a entrada e a bebida eram free.

Dane-se, eu curto Kid Abelha! Tanto quanto outras bandas fetichisadas. Tenho ouvido muito, caminhando pela XV, com o volume no máximo. A voz doce de Paula Toller e aquelas canções que dá vontade de dançar, de cantar alto, perder o controle que me faz caminhar em linha reta.

Divagações em torno de algumas canções, as quais, noslevam a pensar a questão do corpo, das relações, do disciplinamento, e claro, o fato de uma mulher estar interpretando também transgride quando contrapondo a moral vigente. Aqui não me preocupo tanto com a ordem cronológica, apesar de se perceber uma mudança bastante significativa no álbum Pega vida de 2005, uma vontade de liberdade ainda maior.

Aumenta o volume:

A Fórmula do Amor, escrita por Leoni e Leo Jaime revela um corpo preocupado em estar atendendo as exigências da mídia - ou das mídias. Um corpo que quer estar alinhado, enquadrado na câmera, mas também com os demais corpos. No andar, no falar, na forma física. Um corpo que sacralizou a ciência, que responde a tudo. Que lê, assiste, ensaia os métodos padronizados de conquista, e ao se deparar com a emoção, toda a ciência cai por terra. Esse corpo quer se apaixonar, quer também amar, amar como ensinam os filmes, as fotos, os livros:


Eu tenho o gesto exato, sei como devo andar
Aprendi nos filmes pra um dia usar
Um certo ar cruel de quem sabe o que quer
Tenho tudo planejado pra te impressionar

Luz de fim de tarde, meu rosto em contra-luz
Não posso compreender, não faz nenhum efeito
A minha aparição será que errei na mão
As coisas são mais fáceis na televisão

Mantenho o passo alguém me vê
Nada acontece, não sei porque
Se eu não perdi nenhum detalhe
Onde foi que eu errei

Ainda encontro a fórmula do amor
Ainda encontro a fórmula do amor

Eu tenho a pose exata pra me fotografar
Aprendi nos livros pra um dia usar
Um certo ar cruel, de quem sabe o que quer
Tenho tudo ensaiado pra te conquistar

Eu tenho um bom papo e sei até dançar
Não posso compreender, não faz nenhum efeito
A minha aparição será que errei na mão
As coisas são mais fáceis na televisão

Eu jogo um charme, alguém me vê
Nada acontece, não sei porque
Se eu não perdi nenhum detalhe
Onde foi que eu errei
E essa fórmula do amor, as "contas" de amor, ironicamente como se pudesse atribuir um valor matemático ao sentimento aparece também em Amor por retribuição (Leoni e George Israel):

Talvez eu tenha ganho
Mais que eu tenha dado
Mas contas de amor
Sempre dão errado
Outras contas, que não são de amor, mas que atrapalham os corpos desejosos:
Deixa as contas que no fim das contas
O que interessa pra nós
É fazer amor de madrugada
Amor com jeito de virada
(Pintura Íntima - Leoni, Paula Toller)
Pensando o disciplinamento, Uniformes (Leoni/Léo Jaime) apresenta a educação da repetição, para seguir sem indagar, apenas repetir. Sabe que repete, mas está cansado para relutar. É prisioneiro de uma luta que não quis:
E quantos uniformes ainda vou usar
E quantas frases feitas vão me explicar
Será que um dia a gente vai se encontrar
Quando os soldados tiram a farda pra brincar

A minha dança, o meu estilo
E pouco mais me importa
Eu limpo as minhas botas
Não sou ninguém sem elas
Você se espanta com o meu cabelo
É que eu saí de outra história
Os heróis na minha blusa
Não são os que você usa
E eu não te entendo bem
E assim rodeado pelos meios de comunicação - TV, vídeo, cinema, revista, jornal - estes aparecem moldando em Educação Sentimental (Leoni) :

Eu ando tão nervoso pra te escrever
Os versos mais profundos
Eu roço no seu braço e passo sem mexer
Feliz por um segundo
É sempre a mesma cena
Só te ver no corredor
Esqueço do meu texto
Eu fracasso como ator
Só dou vexame
Fico olhando pros seus peitos
Escorrego na escada,
Acho que assim não vai dar jeito
Educação Sentimental
Eu li um anúncio no jornal
Ninguém vai resistir
Se eu usar os meus poderes para o mal
Eu treino a tarde inteira
O que é que eu vou falar
Quando eu estiver no telefone
Naquela hora em que o assunto acabar
Não posso entrar em pane
Te levar pra cama e te dizer coisas bonitas
Vai ser tão simples quanto eu vejo nas revistas
Que falam de amor como uma coisa tão normal
Como se não passasse de um encontro casual
Já em Educação Sentimental II (Leoni, Paula Toller, Herbert Vianna) a indignação da normalidade (moral), introduzida pelo processo educativo exercido desde a educação familiar, a escola, os livros, se evidencia. O que se aprende, parece não ser o que se vive. A moral (cristã) não consegue suprir os desejos, as emoções:

A vida que me ensinaram como uma vida normal
Tinha trabalho, dinheiro, família, filhos e tal
Era tudo tão perfeito se tudo fosse só isso
Mas isso é menos do que tudo,
É menos do que eu preciso

Agora você vai embora
E eu não sei o que fazer
Ninguém me explicou na escola
Ninguém vai me responder

Eu sei a hora do mundo inteiro
Mas não sei quando parar
É tanto medo de sofrimento
Que eu sofro só de pensar
A quem eu devo perguntar, aonde eu vou procurar
Um livro onde aprender a você não me deixar

E há um tempo que consome, bem como as regras, os padrões. Em No Seu Lugar (Paula Toller, George Israel e Lui Farias) há uma tentativa de burlar tudo isso:

Desde que estamos aqui
Eu não quero saber
Quanto tempo se passou
Quem sou eu e onde estou
Será que fomos apressados
Ou foi o tempo que parou
Será que estamos parados
Congelados no espaço

Desde que estamos aqui
Eu não quero saber
Quem está por cima
Quem está por baixo

E todo o dinheiro, os planos, e novamente as regras de conduta, da boa família são colocadas em cheque em Todo meu ouro (Bruno Fortunato / George Israel / Paula Toller). A razão em detrimento da emoção, do desejo:


De longe eu penso em você
E com meus olhos fechados
Te vejo ao lado respirando
Sinto um calor se propagando

Noto você na minha frente
Se materializar na minha frente
E volto a ver o teu tamanho
Saber o teu lugar

E desejo o desejo
Do perigo de um novo jeito

Um mar de lava incandescente
Faz de repente ver
Que eu quero esse mistério sempre
Não quero te perder

E desejo o perigo
Do desejo de um novo jeito

Arrisco todo o meu ouro
Dou meu amor como garantia
Para encontrar um tesouro
E não bijuteria

Nem monogamia, nem estar solteiro, mas sim em Poligamia (Paula Toller, George Israel). Indagando a moral e todas as suas restrições aos espaços, tempo, pessoas. Desmanchando a tão linda crença no amor romântico e eterno e ainda escrito no feminino:

Meus amores me querem inteira
Em qualquer posição
Meus amores não marcam bobeira
E eu não fico na mão...

Escritório, supermercado
Banco de condução
Todo canto é apropriado
Eu nunca digo não...

Abaixo o enguiço dos neurônios
Abaixo o desperdício de hormônios
Prazeres já temos de menos
Produtos já temos demais...

Vamos ficar, vamos fazer
Vocês e eu, eus e você
Vamos gozar, vamos viver
Vocês e eu, eus e você...

O amor o sorriso e as flores
Paraíso de Dante
Meus amores não são Implicantes
Com meus outros amantes...
Corcovado ou escada rolante
Tudo isso convém
Todo homem merece um harém
Toda mulher também...

Abastece de óleo os neurônios
Esquece o monopólio de hormônios
Prazeres já temos de menos
Ciúmes já temos demais...
E essa alusão ao amor livre, sem se preocupar com a idealização romântica está presente em Eutransoelatransa (Paula Toller, George Israel)
Quando quero preciso transar
Quando transo preciso querer
Quando amo preciso falar
Quando falo preciso amar

Quando paro preciso pensar
Quando penso preciso parar
Quando transo preciso querer
Quando quero preciso transar

Eu tenho todas que quero
Ela quer todos que tem
Eu sou o seu quero-quero
Ela é o meu tem-tem

Eu prefiro no chuveiro
Ela no elevador
Eu tento ganhar dinheiro
Ela só vive de amor
Ela conta a vida em festas
Eu sonhando andar com fé
Ela quer blindar o carro
E eu só ando a pé
Ela vai de pinga e gim
Eu sou mais um guaraná
Ela ouve guinga e jobim
Eu obladi-oblada

Mas o risco de tudo é ser errada, ser errante. Por mais que se burle as regras que nos impregnam desde os princípios de nossa educação, raramente consegue-se obter uma total abstinência delas. A mesma mulher que canta Poligamia com tanta convicção, também vocaliza

Sou errada, sou errante
Sempre na estrada
Sempre distante
Vou errando
Enquanto o tempo me deixar
Errando
Enquanto o tempo me deixar...

(Nada sei - Paula Toller, George Israel)
Abaixa o volume:
Com tantas letras e músicas e um rápido texto como este, seria ousado demais querer um estudo aprofundado dessas canções. Leria-se a época, quem escreveu, a interpretação, o palco, o figurino, a arte. Apenas um escrito a se pensar. E tantas outras letras não postadas, não refletidas e então
Abro meu coração
Solto meus cabelos livres no ar
E não quero mais saber

Quero é dividir o meu amor com você
(Guilherme Lamounier e Tibério Gaspar - álbum Pega Vida)*