Fernanda Young mata Freud e mostra ‘O Pau’
Capa de O Pau, de Fernanda Young
Retire o “pau” de um homem e ele estará perdido. Retire da mulher a possibilidade da vingança e ela também estará perdida. Em um mundo cujo poder fálico é tão estimado a ponto de ser adorado por antigas civilizações, uma autora desbocada e com atitude por vezes infantis despeja sua ira sobre a fome incontrolável desse apêndice do corpo masculino. O resultado é O pau, novo romance da escritora e roteirista – e agora coelhinha da Playboy, não necessariamente nessa ordem – Fernanda Young, que dessa vez parece ter optado pelo humor mais evidente, às vezes até escrachado, para narrar a montanha russa emocional da designer de jóias Adriana. Ao descobrir a traição do namorado 14 anos mais novo, ela resolve arquitetar a pior das vinganças. Que passa, invariavelmente, pela inutilização daquilo que o homem mais se gaba de possuir, acima do dinheiro, da beleza e da inteligência.
Fernanda Young usa a ira de uma mulher traída para desconstruir qualquer teoria freudiana que junta “pau” e “poder” na mesma frase. Porque, de acordo com a escritora, aquilo que historicamente está associado ao poder genuíno dos homens e à inveja feminina nada mais é que uma “extensão de músculos, vasos dilatadores e carne” que tem o poder (sim, nesse caso “poder” se faz pertinente) de tornar o corpo que o sustenta seu prisioneiro. A ditadura do falo existe, sim, mas, segundo a autora, são os homens que estão trágica e organicamente submetidos a ela, incapazes de usarem a inteligência e o bom senso para burlar qualquer impulso sexual. São prisioneiros – muitas vezes voluntários, porque se utilizam desse estado para realizar as piores burradas – da própria libido. E o que as mulheres têm a ver com tudo isso? São elas que sentem na pele essa ditadura. Que, providas de bom senso, não conseguem passar ilesas diante desse naturalismo com pitadas de oportunismo. O que resta a elas? Bem, segundo Young, o sádico e recompensador estado da vingança, única arma que possuem – e que até as deixa mais bonitas. Portanto, a guerra está travada. E cada um faz uso das armas que tem.
Fernanda Young se irrita com um monte de coisas, mas continua nos inspirando. Primeiro, seu ensaio na Playboy nos rendeu uma
pesquisa para descobrir que outras escritoras já tinham posado nuas. Agora, seu “pau” nos leva ao debate entre as duas partes interessadas. De um lado, a redatora Marcela Berlandez. De outro, seu ex-namorado (e atual amigo), o publicitário Fábio Gatts. Ambos membros de O Livreiro e ambos com vontade de falar sobre o assunto.
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Marcela BerlandezAcho que a “ditadura do falo” existe, sim. Espetáculo triste de assistir. É muito irônico ver os homens, sinônimo de força em grande parte do imaginário social, atrapalhados com uma questão tão primitiva (pra não dizer biológica): o desejo.Os mesmos bravos que levantam verdadeiras bigornas nas academias, que arrumam encrenca no trânsito, xingam o síndico, falam alto e batem no peito – com orgulho de serem verdadeiras fortalezas – são os mesmos caras que não admitem sentir ou querer sentir algo diferente do que o julgamento popularesco atesta como “certo”.
Mas vá lá… Entendendo que a “ditadura do falo” é uma questão cultural, fica fácil sacar como tanto poder se tornou impotência. Eles, os homens, estão de fato aprisionados a um pedaço de carne. E enquanto os conceitos do que é certo ou errado não forem reavaliados por eles próprios, eles vão continuar assim.
Historicamente muita gente – homens e mulheres – já morreu em função de sentimentos que não poderiam ser genuinamente abafados. Um legado de coragem que deveria estar sendo mais bem aproveitado pelas gerações que vieram depois. Que muitos desejos fossem proibidos há séculos e que os homens tivessem que dar vazão a ele sem o mínimo de filtro, tudo bem. Mas perpetuar essa ditadura em pleno século XXI é dose! Resta pensar que a prisão deles é uma escolha. E Freud que entre em campo para defender o inconsciente.
O mais incrível de toda essa história é ver a quantidade de homens que não percebe que a maior demonstração de força seria, antes de tudo, defender os seus próprios sentimentos, além do “pau”. Não são eles que também vivem dizendo que pouco importa a opinião dos outros? Então, deveriam ser mais honestos (por que não?) com seus sentimentos verdadeiros. Depois dizem que mulher é que complica as coisas.
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Fábio GattsA “ditadura do falo” é incentivada desde o nascimento, quando todo pai que eu conheço cantava pro filho uma música sobre um garoto que tinha o pau grande e outro que tinha pau pequeno. E o outro sempre era em tom de deboche, como se ele fosse menos homem que o primeiro. Daí começa a escravidão do garoto.Tanto é que, nos vestiários masculinos, entre adolescentes, ninguém fica pelado como ficam as meninas no feminino. Elas não têm vergonha de ter peitos menores que as outras. Nos masculinos, é uma tensão só! Afinal, tudo está concentrado naquela área sagrada, que determina quem será bem sucedido e quem será um merda pro resto da vida.
Afinal, qual é a primeira coisa que pensamos quando vemos alguém arrogante, com um carro caro, querendo contar vantagem sobre suas conquistas amorosas? “Deve ter pau pequeno.” Nas entrelinhas, está ele, o recalque: “Eu não tenho isso tudo, mas meu pau é bem maior, e isso compensa qualquer coisa”. Ou seja, a criatura usa o próprio pau como consolo (sem duplo sentido) por não ter o que gostaria. Quem me garante que aquele cara, numa Mercedes conversível, não tem um pau enorme? Isso gera uma bola de neve que faz com que o indivíduo nunca esteja satisfeito com o tamanho do seu. E aí se caracteriza o cárcere privado que criamos em torno do nosso próprio pau.
Sinceramente, não me considero escravo desta maneira. Sou quem eu sou independente do tamanho do meu pau. Mas me considero escravo do mesmo jeito, quando me pego fazendo piadinhas sobre o tamanho do meu pé (45), com um sorriso de deboche e superioridade. Quando você vive em uma ditadura, da forma que for, não dá pra viver alheio às consequências da mesma.
E, pra deixar claro, mesmo achando que meu pau não é pequeno, compartilho da opinião de Vinicius de Moraes, quando perguntado se gostaria de mudar alguma coisa caso reencarnasse: “Eu gostaria de ser a mesma pessoa que sou. Mas com um pau um pouquinho maior”.