domingo, 22 de novembro de 2009
terça-feira, 17 de novembro de 2009
Caso UNIBAN
Geralmente procuro evitar as questões que estão sendo discutidas, mas acredito que este caso ajuda a pensarmos um pouco (ao menos) a questão do corpo, especialmente em nosso país tropical.
RUY CASTRO - FOLHA
Perna de fora
RIO DE JANEIRO - Nelson Rodrigues disse certa vez: "Só o rosto é obsceno. Do pescoço para baixo, podíamos andar nus". Nunca essa frase caiu tão bem quanto no caso da estudante Geisy Arruda, agredida por seus colegas da universidade paulista Uniban por usar um vestido curto, expulsa pelos diretores e, diante da grita universal contra a escola, readmitida por estes.
Para Nelson, a obscenidade não estaria no naco de perna da menina, mas no rosto de seus algozes. Ele se perguntaria se, ao passar a mão na cara, os diretores não sentiriam "a própria hediondez". E tão imoral quanto a expulsão é o "perdão".
A readmissão de Geisy não cancela a violência e as humilhações. Só se deu porque a Uniban -bombardeada pelo MEC, o MP, o Congresso, a Secretaria de Mulheres, a ABI, a OAB, a UNE, a imprensa e inúmeros pais e mães com filhos em idade universitária- viu futuras matrículas batendo asas aos milhares. Invejável prepotência a desses diretores, que não previram tal reação.
No plano internacional, a Uniban e o Brasil são motivo de chacota. Que país é este, famoso por suas mulheres quase nuas nas praias, nos cartões postais e nos comerciais de TV, que não admite um vestido pouco mais curto que o de Julie Andrews em "A Noviça Rebelde"?
Roga-se endereçar a questão aos 700 agressores de Geisy. Mesmo que ela possa voltar à escola para completar o ano, os brutos continuam por lá, com seu moralismo rançoso, sua coragem em multidão e, quem sabe, prontos para uma nova "reação coletiva de defesa do ambiente escolar".
Belo ambiente. A Uniban, quarta maior universidade do Brasil em matrículas, está em 159º lugar entre 175 avaliadas. Ou seja, é a 16ª pior do país. Isso diz mais sobre o lamentável estado da educação entre nós do que cinco centímetros de perna de fora
sexta-feira, 13 de novembro de 2009
O tempo gravado em meu corpo
Este é um conto que publiquei primeiro em doce de pandora (http://docedepandora.blogspot.com/), mas como ele trata do quanto a marcação do tempo pode ser gravada em nós e o quanto ela é criada, achei pertinente publicar o conto aqui.
Glauber é um nome comum escolhido pensando na palavra "glaube", que em alemão significa pensar, ich glaube = eu penso, então Glauber seria um pensador. Não significa que ele é dos melhores, ou pensa e chega a conclusões mirabolantes, mas questiona as coisas ao seu redor. A idéia é que cada um de nós é um "Glauber".
E lhes deixo com o conto...
O TEMPO DE GLAUBER
Havia algo que incomodava muito a Glauber, o tempo. O problema nem era tanto o passar do tempo, mas sim a contagem tão exata deste tempo. Não sabia dizer se era um progresso da humanidade, ou uma droga que ajuda a chegar mais rápido ao fim. A coisa estava tão complicada que praticamente não precisava mais de relógio, pois ele era programado como se fosse um relógio. Começou a refletir sobre isso depois que entrou no escritório às 10 horas e quando pensou que deveriam ser 10 e quinze, eram dez e quinze. Problema nenhum até ai, mas durante toda aquela semana percebeu que previa o tempo por margem de erro de no máximo dez minutos, sem olhar para o relógio. Percebeu que depois de certa hora, não conseguia mais dormir, mesmo aos finais de semana. O tempo estava tão contado e racionalizado que seu corpo já respondia sozinho. Quando seu ônibus atrasava um minuto, já sabia todas as implicações que isto lhe traria. Sabia tudo o que passaria. Desde chegar mais tarde em casa, até os minutos a menos, que necessitava deles sobrando para pegar o ônibus no horário.
“Problema nenhum em ser pontual”, disse Joyce sua amiga do escritório, quando Glauber havia contado a ela sobre este aparente problema. E ele se recordava de quando era pequeno, e não possuía noção alguma de tempo. As férias eram quando estava quente, mas no meio de todo aquele calor. E junto com as férias vinha o natal, então o verão era a melhor época do ano, podia tomar sorvete e banho de piscina, mas sempre separados por um intervalo de uma hora. Sempre ouvia “espere uma hora”. O que acontecia era que ficava perguntando inúmeras vezes para sua mãe, “já deu uma hora?”, e ela lhe respondia muitas vezes que não. Outras vezes preferia fazer outra coisa e quando se dava conta sua mãe já o chamava para tomar café. Sabia que sexta era o dia bom, não precisava fazer tarefa, e não ia para a aula no outro dia. Mas esperar uma semana era algo inimaginável para sua infância. Só tinha consciência de que o natal demorava muito mais para chegar do que a sexta-feira.
Na verdade nunca deu muita bola para o horário. Na escola era só seguir o fluxo. Se todos saiam para o recreio, ele também saia, se todos entravam de volta na sala ele também entrava. Mas aos seus quinze anos ganhou de presente um relógio. O regulou e o colocou no pulso. Começou a aprender a contar as horas, saber que perto das dezessete o trânsito virava um caos. Antes quando voltava para casa, saltava em algum ponto por perto e ia andando, chegaria lá. Depois começou a montar cronogramas com os melhores horários de ônibus para ele pegar. A coisa foi ficando tão brava que sabia as horas já automaticamente, até os minutos. Ficava mais pensando no tempo que estava passando, do que no que estava fazendo. Isso o agoniava.
A pergunta que se fazia desde que percebera isto tudo, era se os outros também eram assim tão mecânicos, ou ele era o “homem-do-tempo”? Isto o incomodava e muito. Ou tudo poderia ser só uma conseqüência da velhice. Mas descartou esta hipótese assim que leu um texto sobre o tempo na idade média. Ele falava sobre a medição de tempo. Ela era completamente inexata. Mal se possuía a noção de meia hora, era um luxo ter um relógio em sua cidade. Relógio como hoje, um em cada canto, era algo impensável. Nem se contava os anos direito, se dizia que nasceu no ano de tal santo, no mês de outro tal e no dia (ou tantos antes, ou tantos dias depois) de outro seguinte. “João da Antuérpia, filho de Pedro da Cornualha, nascido no dia de São Cosme, no mês da morte de Cristo, três dias antes do dia de São Paulo”, era assim que se apresentavam antigamente, lógico, os que se dizia valerem a pena apresentarem-se. E o que Glauber percebe era de que o tempo medido é a mais pura invenção dos homens. Se perguntava como deveria ser viver na terra selvagem, no meio de toda aquela imensidão, e não perceber que o tempo vai passando. Será que o meu cachorro sabe que está velho e logo vai morrer? Uma série de questões passaram por sua cabeça.
E quando tentou contar elas a Joyce, ela riu e perguntou o que ele usava, já que ela queria um pouco também. Fizera essa piada boba, e Glauber fingiu que brincava também. Mas tudo aquilo que pensava sobre o tempo ainda estava em sua cabeça.
domingo, 8 de novembro de 2009
Arqueologia dos Prazeres - Dia 30 - 19h - Auditório BLoco J FURB
“Nunca a destruição, mas a moderação. Não o excesso, mas o equilíbrio, a medida, a ocasião apropriada, os modos. Por isso, o uso dos prazeres requer um saber dos prazeres, um saber que pode regulá-los de acordo com o melhor. Os prazeres podem ser uma força perturbadora, mas apenas quando estão sem rédea, sem comando, sem seu cocheiro, para usar mais uma metáfora platônica”.
Quando digo que os gregos associavam o prazer ao sofrimento isso quer dizer primeiro que o sofrimento e o prazer ocupam o mesmo campo de problematização moral referente à realização de uma vida humana virtuosa e feliz. Mas esta associação é mais íntima do que a natural associação entre dois opostos. Significa que em muitos casos a proximidade alcança a própria ambigüidade: prazeres que trazem dor, dores que trazem prazer; e é justamente nesse campo da ambigüidade que o saber filosófico é mais requisitado, porque deixam de valer distinções infantis e o campo da construção dos valores e dos sentidos da existência entram em jogo, abrindo espaço para a liberdade e a autenticidade. Os códigos morais gregos não visavam padronizar os homens sob regras de conduta, mas antes possibilitar que os indivíduos construíssem um estilo de vida coerente com si mesmos. Hoje, o prazer não é visto como um valor no campo da construção da liberdade, mas antes como uma experiência de consumo. Consumo tanto dos objetos, quanto dos que os usufruem. Mesmo os prazeres oriundos dos objetos que, naturalmente, se consomem, como bebidas e comidas, eram vistos pelos gregos não pela lógica do consumo, mas da repleção. De modo que acreditavam que o prazer era alcançar uma plenitude, e não gastar ou gastar-se. Mas estes prazeres eram também considerados mais vulgares. Os prazeres dos grandes mestres gregos associavam-se mais à atividade do que à passividade: a amizade, o amor, o refinamento da sensação, a própria filosofia eram vistas como as atividades mais prazerosas. O consumismo contemporâneo tende a esvaziar o prazer da vida e o próprio gozo dos objetos. Por isso, é sempre urgente repensar o que significa para nós a felicidade, tanto no campo do exercício das virtudes, quanto no desfrute da vida. Para Epicuro, a sabedoria dos prazeres estava em encontrá-los à mão: figos, mel, uma fonte de água pura, a boa conversa entre amigos.
A indústria de consumo pode ser apontada como a principal responsável por fomentar desejos na cultura contemporânea? Você considera isso um risco proposital “oferecido” pelo regime capitalista?
A felicidade, o prazer, o gozo estão sempre ligados aos desejos. Muitos gregos, principalmente os cínicos e estóicos, mais moralistas, associam o desejo à dor. O desejo é conseqüência da falta, da carência. De modo que por mais riquezas que alguém possuísse, se seu desejo não era aplacado, ele continuava carente, e de um modo muito real era mais pobre do que alguém de poucos recursos, porém com poucas necessidades. Sócrates tornou esta equação mais complexa, vendo que o desejo, o amor, não eram apenas filhos de carência, mas também a expressão de um recurso vital que busca não apenas alcançar um bem, mas também gerar e produzir os bens. Tomados de desejos não ficamos apenas carentes de coisas belas, mas nos movemos para gerá-las. A lógica do desejo no capitalismo tem uma dimensão perversa porque a produção não se move para preencher as necessidades e os desejos; mas, inversamente, primeiro se produzem desejos e carências e depois a produção se move para supri-los. O capitalismo, quanto mais rico mais produz carência. E não estou falando da perspectiva marxista da mais-valia e da apropriação do trabalho. Estou pensando, justamente, no consumidor que possui recursos. Para ele, a engrenagem da propaganda produz uma carência infinita, que não pode nunca ser suprida, sempre há um novo supérfluo que é transformado em necessidade. Quem vive hoje sem um celular, sem uma televisão? No entanto, há poucas décadas estas necessidades sequer eram cogitadas de existir. O perverso do capitalismo é que até o rico se torna carente, como na dialética hegeliana do senhor e do escravo.
Como você vê a crítica da imprensa sobre o seu livro, especificamente? Em geral, as críticas são levianas?
Ainda não posso falar de críticas da imprensa, porque ainda não chegaram. As primeiras manifestações vieram de um campo fora da literatura e da filosofia, por conta do apelo do título. A imprensa que se mobilizou até o momento buscou no livro conteúdos eróticos ou de consumo, justamente! Mas não vai encontrar exatamente o que espera — afinal é um livro para se pensar, não para consumir. Apareceu uma matéria no caderno “Ela” do jornal O Globo, que tende a tratar as mulheres como as maiores consumidoras. O título era “Filósofo e Gato”; obviamente, o gato não era eu, mas o Chico Bosco que também está lançando um livro na coleção filosófica. O jornalista que tentou ler o meu livro, disse que era muito difícil, tinha palavras estranhas como “complexificar” (posso garantir que tem umas cem palavras mais estranhas do que essa, entre os conceitos morais dos gregos) e ficou insatisfeito porque a arqueologia só foi dos primórdios até Epicuro, ainda muito longínquo (sic).
Como surgiu a idéia de escrever Arqueologia dos Prazeres?
A idéia começou a ser gestada quando Mirian Goldemberg, professora de antropologia do IFCS, me propôs de ministrarmos um curso em conjunto, para estudantes de ciências sociais e de filosofia. Resolvemos preparar um curso sobre a História da Sexualidade de Michel Foucault, mais especificamente sobre o segundo livro “O Uso dos Prazeres”, que é uma obra que aborda os gregos para revirar alguns conceitos contemporâneos sobre a sexualidade, principalmente a idéia errônea de que o discurso sobre a sexualidade era resultado de uma liberação recente de temas recalcados até o séc. XIX. Montamos o curso, juntando duas turmas das duas faculdades e reunimos, de um lado, as pesquisas de Mirian sobre os discursos de sexualidade no Brasil atual e, de outro, as minhas pesquisas em torno das fontes gregas. O curso me empurrou para a literatura filosófica sobre o tema e acabei montando, na Casa do Saber, um mini-curso em seis lições que já se chamava Arqueologia dos Prazeres e foi a espinha dorsal do livro. O curso teve boa repercussão e a editora Isa Pessoa, da Objetiva, me convidou para abrir a sua coleção filosófica. Com isso, refugiei-me na montanha e escrevi a maior parte do livro neste verão, à beira agradável de um córrego...
http://www.olharvirtual.ufrj.br/2006/imprimir.php?id_edicao=172&codigo=9
sábado, 7 de novembro de 2009
sexta-feira, 6 de novembro de 2009
O Reino da Pele - Contador Borges
o corpo
cada vez mais leve
vai ao fundo
de tudo
além de seu termo
difuso
anatômico
mais perto (quem
sabe do Hades?)
onde nem
a linguagem
alcança
a diminuta
sombra
do sonho indelével
de quando
a regra era a pele
sob o império
dos toques
e as marés internas
do vermelho ao púrpura
seu maior alicerce.
Quando se morre
o estômago
é a primeira parte
que se dissolve
mas e os olhos?
sei que se fecham
e sob as pálpebras
(relaxadas)
se dilatam
mas as imagens
de que são feitos
as palavras
também não voltam
ao lugar
de onde vieram
somente os ossos
respondem
ao encanto
como um poema
em branco.
p 24-25
segunda-feira, 2 de novembro de 2009
Será que eu pus um grilo na sua cabeça?*
Mas não é o que acontece quando se trata de uma banda como Kid Abelha. Quem nunca ouviu Kid Abelha? Mesmo que sem querer. No ônibus, no táxi, no rádio do vizinho? Para os mais novinhos e odiosos das músicas mais tocadas na rádio, talvez tenham ouvido em uma daquelas noites flash back que foi porque a entrada e a bebida eram free.
Dane-se, eu curto Kid Abelha! Tanto quanto outras bandas fetichisadas. Tenho ouvido muito, caminhando pela XV, com o volume no máximo. A voz doce de Paula Toller e aquelas canções que dá vontade de dançar, de cantar alto, perder o controle que me faz caminhar em linha reta.
Divagações em torno de algumas canções, as quais, noslevam a pensar a questão do corpo, das relações, do disciplinamento, e claro, o fato de uma mulher estar interpretando também transgride quando contrapondo a moral vigente. Aqui não me preocupo tanto com a ordem cronológica, apesar de se perceber uma mudança bastante significativa no álbum Pega vida de 2005, uma vontade de liberdade ainda maior.
A Fórmula do Amor, escrita por Leoni e Leo Jaime revela um corpo preocupado em estar atendendo as exigências da mídia - ou das mídias. Um corpo que quer estar alinhado, enquadrado na câmera, mas também com os demais corpos. No andar, no falar, na forma física. Um corpo que sacralizou a ciência, que responde a tudo. Que lê, assiste, ensaia os métodos padronizados de conquista, e ao se deparar com a emoção, toda a ciência cai por terra. Esse corpo quer se apaixonar, quer também amar, amar como ensinam os filmes, as fotos, os livros:
Eu tenho o gesto exato, sei como devo andar
Luz de fim de tarde, meu rosto em contra-luz
Mantenho o passo alguém me vê
Ainda encontro a fórmula do amor
Eu tenho a pose exata pra me fotografar
Eu tenho um bom papo e sei até dançar
Eu jogo um charme, alguém me vê
A minha dança, o meu estilo
Agora você vai embora
Eu sei a hora do mundo inteiro
E há um tempo que consome, bem como as regras, os padrões. Em No Seu Lugar (Paula Toller, George Israel e Lui Farias) há uma tentativa de burlar tudo isso:
Desde que estamos aqui
E todo o dinheiro, os planos, e novamente as regras de conduta, da boa família são colocadas em cheque em Todo meu ouro (Bruno Fortunato / George Israel / Paula Toller). A razão em detrimento da emoção, do desejo:
De longe eu penso em você
Noto você na minha frente
E volto a ver o teu tamanho
E desejo o desejo
Um mar de lava incandescente
E desejo o perigo
Arrisco todo o meu ouro
Nem monogamia, nem estar solteiro, mas sim em Poligamia (Paula Toller, George Israel). Indagando a moral e todas as suas restrições aos espaços, tempo, pessoas. Desmanchando a tão linda crença no amor romântico e eterno e ainda escrito no feminino:
Escritório, supermercado
Abaixo o enguiço dos neurônios
Vamos ficar, vamos fazer
O amor o sorriso e as flores
Corcovado ou escada rolante
Abastece de óleo os neurônios
Quando paro preciso pensar
Eu tenho todas que quero
Eu prefiro no chuveiro
Ela conta a vida em festas
Ela vai de pinga e gim
Mas o risco de tudo é ser errada, ser errante. Por mais que se burle as regras que nos impregnam desde os princípios de nossa educação, raramente consegue-se obter uma total abstinência delas. A mesma mulher que canta Poligamia com tanta convicção, também vocaliza
Quero é dividir o meu amor com você