segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Será que eu pus um grilo na sua cabeça?*

Parece tão mais interessante quando pensamos que somente nós conhecemos determinada banda, ou autor, ou filme. E parece ainda mais interessante quando encontramos algumas pessoas - ou seja, um pequeno número - que a "isso" também conhece. E então se desvela uma conversa prolongada de amantes de um mesmo tema, e suas minúcias, e segredos, e aquilo que ninguém mais além do "bando" vê. Inocentes. E se fetichisa mais e mais...Delícia.

Mas não é o que acontece quando se trata de uma banda como Kid Abelha. Quem nunca ouviu Kid Abelha? Mesmo que sem querer. No ônibus, no táxi, no rádio do vizinho? Para os mais novinhos e odiosos das músicas mais tocadas na rádio, talvez tenham ouvido em uma daquelas noites flash back que foi porque a entrada e a bebida eram free.

Dane-se, eu curto Kid Abelha! Tanto quanto outras bandas fetichisadas. Tenho ouvido muito, caminhando pela XV, com o volume no máximo. A voz doce de Paula Toller e aquelas canções que dá vontade de dançar, de cantar alto, perder o controle que me faz caminhar em linha reta.

Divagações em torno de algumas canções, as quais, noslevam a pensar a questão do corpo, das relações, do disciplinamento, e claro, o fato de uma mulher estar interpretando também transgride quando contrapondo a moral vigente. Aqui não me preocupo tanto com a ordem cronológica, apesar de se perceber uma mudança bastante significativa no álbum Pega vida de 2005, uma vontade de liberdade ainda maior.

Aumenta o volume:

A Fórmula do Amor, escrita por Leoni e Leo Jaime revela um corpo preocupado em estar atendendo as exigências da mídia - ou das mídias. Um corpo que quer estar alinhado, enquadrado na câmera, mas também com os demais corpos. No andar, no falar, na forma física. Um corpo que sacralizou a ciência, que responde a tudo. Que lê, assiste, ensaia os métodos padronizados de conquista, e ao se deparar com a emoção, toda a ciência cai por terra. Esse corpo quer se apaixonar, quer também amar, amar como ensinam os filmes, as fotos, os livros:


Eu tenho o gesto exato, sei como devo andar
Aprendi nos filmes pra um dia usar
Um certo ar cruel de quem sabe o que quer
Tenho tudo planejado pra te impressionar

Luz de fim de tarde, meu rosto em contra-luz
Não posso compreender, não faz nenhum efeito
A minha aparição será que errei na mão
As coisas são mais fáceis na televisão

Mantenho o passo alguém me vê
Nada acontece, não sei porque
Se eu não perdi nenhum detalhe
Onde foi que eu errei

Ainda encontro a fórmula do amor
Ainda encontro a fórmula do amor

Eu tenho a pose exata pra me fotografar
Aprendi nos livros pra um dia usar
Um certo ar cruel, de quem sabe o que quer
Tenho tudo ensaiado pra te conquistar

Eu tenho um bom papo e sei até dançar
Não posso compreender, não faz nenhum efeito
A minha aparição será que errei na mão
As coisas são mais fáceis na televisão

Eu jogo um charme, alguém me vê
Nada acontece, não sei porque
Se eu não perdi nenhum detalhe
Onde foi que eu errei
E essa fórmula do amor, as "contas" de amor, ironicamente como se pudesse atribuir um valor matemático ao sentimento aparece também em Amor por retribuição (Leoni e George Israel):

Talvez eu tenha ganho
Mais que eu tenha dado
Mas contas de amor
Sempre dão errado
Outras contas, que não são de amor, mas que atrapalham os corpos desejosos:
Deixa as contas que no fim das contas
O que interessa pra nós
É fazer amor de madrugada
Amor com jeito de virada
(Pintura Íntima - Leoni, Paula Toller)
Pensando o disciplinamento, Uniformes (Leoni/Léo Jaime) apresenta a educação da repetição, para seguir sem indagar, apenas repetir. Sabe que repete, mas está cansado para relutar. É prisioneiro de uma luta que não quis:
E quantos uniformes ainda vou usar
E quantas frases feitas vão me explicar
Será que um dia a gente vai se encontrar
Quando os soldados tiram a farda pra brincar

A minha dança, o meu estilo
E pouco mais me importa
Eu limpo as minhas botas
Não sou ninguém sem elas
Você se espanta com o meu cabelo
É que eu saí de outra história
Os heróis na minha blusa
Não são os que você usa
E eu não te entendo bem
E assim rodeado pelos meios de comunicação - TV, vídeo, cinema, revista, jornal - estes aparecem moldando em Educação Sentimental (Leoni) :

Eu ando tão nervoso pra te escrever
Os versos mais profundos
Eu roço no seu braço e passo sem mexer
Feliz por um segundo
É sempre a mesma cena
Só te ver no corredor
Esqueço do meu texto
Eu fracasso como ator
Só dou vexame
Fico olhando pros seus peitos
Escorrego na escada,
Acho que assim não vai dar jeito
Educação Sentimental
Eu li um anúncio no jornal
Ninguém vai resistir
Se eu usar os meus poderes para o mal
Eu treino a tarde inteira
O que é que eu vou falar
Quando eu estiver no telefone
Naquela hora em que o assunto acabar
Não posso entrar em pane
Te levar pra cama e te dizer coisas bonitas
Vai ser tão simples quanto eu vejo nas revistas
Que falam de amor como uma coisa tão normal
Como se não passasse de um encontro casual
Já em Educação Sentimental II (Leoni, Paula Toller, Herbert Vianna) a indignação da normalidade (moral), introduzida pelo processo educativo exercido desde a educação familiar, a escola, os livros, se evidencia. O que se aprende, parece não ser o que se vive. A moral (cristã) não consegue suprir os desejos, as emoções:

A vida que me ensinaram como uma vida normal
Tinha trabalho, dinheiro, família, filhos e tal
Era tudo tão perfeito se tudo fosse só isso
Mas isso é menos do que tudo,
É menos do que eu preciso

Agora você vai embora
E eu não sei o que fazer
Ninguém me explicou na escola
Ninguém vai me responder

Eu sei a hora do mundo inteiro
Mas não sei quando parar
É tanto medo de sofrimento
Que eu sofro só de pensar
A quem eu devo perguntar, aonde eu vou procurar
Um livro onde aprender a você não me deixar

E há um tempo que consome, bem como as regras, os padrões. Em No Seu Lugar (Paula Toller, George Israel e Lui Farias) há uma tentativa de burlar tudo isso:

Desde que estamos aqui
Eu não quero saber
Quanto tempo se passou
Quem sou eu e onde estou
Será que fomos apressados
Ou foi o tempo que parou
Será que estamos parados
Congelados no espaço

Desde que estamos aqui
Eu não quero saber
Quem está por cima
Quem está por baixo

E todo o dinheiro, os planos, e novamente as regras de conduta, da boa família são colocadas em cheque em Todo meu ouro (Bruno Fortunato / George Israel / Paula Toller). A razão em detrimento da emoção, do desejo:


De longe eu penso em você
E com meus olhos fechados
Te vejo ao lado respirando
Sinto um calor se propagando

Noto você na minha frente
Se materializar na minha frente
E volto a ver o teu tamanho
Saber o teu lugar

E desejo o desejo
Do perigo de um novo jeito

Um mar de lava incandescente
Faz de repente ver
Que eu quero esse mistério sempre
Não quero te perder

E desejo o perigo
Do desejo de um novo jeito

Arrisco todo o meu ouro
Dou meu amor como garantia
Para encontrar um tesouro
E não bijuteria

Nem monogamia, nem estar solteiro, mas sim em Poligamia (Paula Toller, George Israel). Indagando a moral e todas as suas restrições aos espaços, tempo, pessoas. Desmanchando a tão linda crença no amor romântico e eterno e ainda escrito no feminino:

Meus amores me querem inteira
Em qualquer posição
Meus amores não marcam bobeira
E eu não fico na mão...

Escritório, supermercado
Banco de condução
Todo canto é apropriado
Eu nunca digo não...

Abaixo o enguiço dos neurônios
Abaixo o desperdício de hormônios
Prazeres já temos de menos
Produtos já temos demais...

Vamos ficar, vamos fazer
Vocês e eu, eus e você
Vamos gozar, vamos viver
Vocês e eu, eus e você...

O amor o sorriso e as flores
Paraíso de Dante
Meus amores não são Implicantes
Com meus outros amantes...
Corcovado ou escada rolante
Tudo isso convém
Todo homem merece um harém
Toda mulher também...

Abastece de óleo os neurônios
Esquece o monopólio de hormônios
Prazeres já temos de menos
Ciúmes já temos demais...
E essa alusão ao amor livre, sem se preocupar com a idealização romântica está presente em Eutransoelatransa (Paula Toller, George Israel)
Quando quero preciso transar
Quando transo preciso querer
Quando amo preciso falar
Quando falo preciso amar

Quando paro preciso pensar
Quando penso preciso parar
Quando transo preciso querer
Quando quero preciso transar

Eu tenho todas que quero
Ela quer todos que tem
Eu sou o seu quero-quero
Ela é o meu tem-tem

Eu prefiro no chuveiro
Ela no elevador
Eu tento ganhar dinheiro
Ela só vive de amor
Ela conta a vida em festas
Eu sonhando andar com fé
Ela quer blindar o carro
E eu só ando a pé
Ela vai de pinga e gim
Eu sou mais um guaraná
Ela ouve guinga e jobim
Eu obladi-oblada

Mas o risco de tudo é ser errada, ser errante. Por mais que se burle as regras que nos impregnam desde os princípios de nossa educação, raramente consegue-se obter uma total abstinência delas. A mesma mulher que canta Poligamia com tanta convicção, também vocaliza

Sou errada, sou errante
Sempre na estrada
Sempre distante
Vou errando
Enquanto o tempo me deixar
Errando
Enquanto o tempo me deixar...

(Nada sei - Paula Toller, George Israel)
Abaixa o volume:
Com tantas letras e músicas e um rápido texto como este, seria ousado demais querer um estudo aprofundado dessas canções. Leria-se a época, quem escreveu, a interpretação, o palco, o figurino, a arte. Apenas um escrito a se pensar. E tantas outras letras não postadas, não refletidas e então
Abro meu coração
Solto meus cabelos livres no ar
E não quero mais saber

Quero é dividir o meu amor com você
(Guilherme Lamounier e Tibério Gaspar - álbum Pega Vida)*

Um comentário:

  1. Cada vez que lia os trechos ficava achando que o dessa música seria o próximo, Derretendo Satélites (Composição: PaulaToller / Herbert Vianna),música constitiunte do álbum solo da Paula Toller:

    Abro com as mãos, te deixo olhar
    Te levo pra dentro devagar
    Sempre venho aqui nesse lugar
    Tomar xerez da tua boca
    Provar o sal do mar, mostrar um verso
    Provar um amor eterno
    Onde a sua mão está agora?
    A minha você sabe bem
    Quanto mais tempo demora
    Mais violento vem

    Falando absurdos
    Virando a noite
    Perdendo senso
    Derretendo satélites
    Falando tudo
    Voando a noite
    Ouvindo estrelas
    Derretendo satélites

    Uma vez, dez, quinze, vinte, tanto faz
    Não tenho mais nada pra fazer
    Estou aqui pensando em você
    Deixando a água correr
    Provei o mar, mostrei um outro verso
    Provei um amor eterno
    Onde a sua mão está agora?
    A minha você sabe bem
    Quanto mais tempo demora
    Mais violento vem, meu bem
    Falando absurdos...
    Falando tudo
    Virando a noite
    Um... dois... três, quatro,
    cinco, seis, sete, oito...

    Uma interessante representação da sexualidade feminina, na qual é impossível não imaginar todas as situações. Onde a sua mão está agora?
    A minha você sabe bem....

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