sexta-feira, 22 de maio de 2009

A mulher velada

A mulher velada

Anaïs Nin

George foi uma vez a um bar sueco de que gostava e sentou-se a uma mesa, disposto a ter uma noite agradável. Notou que na mesa ao lado já se encontrava um casal muito elegante e distinto; o homem tinha aparência cortês e estava vestido com grande apuro; a mulher, toda de preto, tinha o rosto radiante coberto por um véu e estava cheia de jóias brilhantemente coloridas. Os dois sorriam para ele. Mas nada disseram um ao outro, como se já fossem velhos conhecidos e não mais precisassem falar.

Os três ficaram observando o movimento do bar — casais que bebiam juntos, uma mulher que tomava seu drinque sozinha, um homem em busca de aventuras — e todos pareciam estar pensando nas mesmas coisas.

Finalmente o homem bem vestido entabulou conversação com George, que assim teve uma chance de observar melhor a mulher e descobrir que ela era ainda mais bela do que pensara. Mas justamente quando esperava que ela participasse da conversa ouviu-a dizer algumas palavras para seu companheiro —palavras cujo sentido não pôde apreender — e viu-a sair.


George sentiu-se frustrado. Lá se fora uma noite que prometia ser agradável. Além disso, não tinha muito dinheiro, de sorte que não podia convidar o homem para tomar uma bebida em sua companhia e descobrir algo a respeito da misteriosa mulher velada. Contudo, para sua surpresa, foi o homem que se virou para ele e disse:


— Gostaria de tomar um drinque comigo?

George aceitou. A conversa dos dois girou em torno de hotéis no sul da França até a confissão feita por George de que estava muito necessitado de dinheiro. A resposta de seu interlocutor deu a entender que era extremamente fácil consegui-lo.

Mas não explicou como. Instou para que George lhe fizesse mais algumas confissões.


Ora, George tinha uma fraqueza comum a muitos homens:

quando seu estado de espírito era expansivo, adorava narrar suas conquistas. Foi o que fez, em meias palavras. Deu a entender que assim que punha o pé na rua aparecia-lhe alguma aventura, que jamais se vira sem perspectiva de uma noitada ou de uma mulher interessante.


Seu companheiro limitava-se a ouvir e sorrir.

Quando George acabou de falar, o outro homem disse:

— Era exatamente isso o que eu esperava de você. Você é o sujeito que eu estava procurando. O caso é que estou às voltas com um problema delicadíssimo. Algo extremamente raro. Não sei se você já esteve envolvido com mulheres difíceis, neuróticas. Não? Dá para deduzir isso de suas histórias. Pois bem, isso me acontece com freqüência. Talvez eu as atraia.

Agora, por exemplo, estou em uma situação que não poderia ser mais complicada. Nem sei como achar uma saída. Preciso de sua ajuda. Você disse que precisa de dinheiro. Pois bem, posso lhe sugerir um modo bastante agradável de ganhar algum.

Ouça com atenção. Existe uma mulher que é riquíssima e verdadeiramente linda; para ser mais preciso, eu deveria dizer que ela é perfeita. Poderia ser devotadamente amada por qualquer homem que lhe agradasse, poderia se casar com quem bem entendesse. Mas, por um perverso acidente de sua natureza, ela só gosta do desconhecido.


— Mas todo mundo gosta do desconhecido — contrapôs George, pensando imediatamente em viagens, encontros inesperados, situações românticas.


— Não, não do modo que ela gosta. Essa mulher só se interessa por homens a quem nunca tenha visto e que nunca voltará a ver. Por esse homem será capaz de fazer qualquer coisa.


George estava ardendo de desejo de perguntar se a mulher a quem se referiam era a mesma que estivera sentada perto dele. Mas não se atreveu. O homem lhe parecia um tanto desconcertado e infeliz por ter de contar aquelas coisas, e continuou, como se cumprisse uma pesada missão:


— Tenho a obrigação de cuidar da felicidade dessa mulher. Eu seria capaz de fazer qualquer coisa por ela. Devotei minha vida inteira a satisfazer seus caprichos.

— Compreendo — comentou George. — Eu seria capaz de me sentir da mesma forma.

— Agora — prosseguiu o elegante estranho —, se você quiser me acompanhar, talvez resolva suas dificuldades financeiras por uma semana e, paralelamente, satisfaça também o seu desejo de aventuras.


George corou de prazer. Ambos deixaram o bar juntos. O homem acenou para um táxi. No carro, deu cinqüenta dólares a George e lhe disse que seria obrigado a vendá-lo, pois George não deveria ver a casa para onde estava indo, nem a rua, já que nunca deveria repetir aquela experiência.


George estava morrendo de curiosidade, assombrado por visões da mulher velada, vendo a cada instante seus lábios ardentes e seus olhos brilhantes por trás do véu. Mas tinha gostado mais de seus cabelos. Gostava de uma cabeleira basta, emoldurando um rosto bonito; era uma de suas paixões.


A corrida não foi muito longa. E George submeteu-se de boa vontade a todo aquele mistério. A venda foi retirada de seus olhos pouco antes de saltar do táxi, para não chamar a atenção do motorista ou do porteiro, mas o estranho contara, muito sabiamente, com o brilho das luzes da entrada. Elas cegaram George por completo, e ele não pôde ver nada além de fortes lâmpadas e espelhos.


George foi conduzido a um dos ambientes mais suntuosos que jamais tinha visto — tudo branco e espelhado, com plantas exóticas, móveis artísticos, colchas de damasco e um tapete tão grosso que amortecia por completo o barulho de seus passos.


Foi levado de um cômodo para outro, de tonalidades diferentes e igualmente espelhados, de modo que acabou por perder completamente o senso de direção. Quando chegaram ao último aposento, George deixou escapar um leve suspiro.

Havia naquele quarto uma cama com dossel colocada sobre um estrado. Diversas peles tinham sido espalhadas pelo chão; as janelas tinham sido decoradas com vaporosas cortinas brancas, e, por toda parte, espelhos e mais espelhos. Ainda bem que não o aborrecia ver tantas reproduções de si próprio, infinitas reproduções de um homem de boa aparência a quem o mistério daquela situação dera um ar alerta, de expectativa, que nunca tivera. O que poderia significar tudo aquilo? Não teve tempo de formular mentalmente a pergunta.


A mulher que estivera no bar apareceu, e, no mesmo instante, o homem que o trouxera sumiu como que por encanto.Ela havia mudado de roupa. Usava um impressionante vestido de cetim que lhe deixava os ombros de fora, preso apenas por um franzido no busto. George teve a impressão nítida de que o vestido cairia a qualquer instante, deixando-a totalmente nua, e também que a pele de seu corpo seria tão macia e brilhante quanto o cetim do vestido.

George teve de se conter. Ainda não podia acreditar que aquela linda mulher estivesse realmente se oferecendo a ele, um completo estranho.

Também sentia-se um tanto encabulado. O que ela esperava dele? O que buscaria? Seria por acaso uma ninfomaníaca?


Teria apenas aquela noite para encantá-la com tudo o que sabia. Nunca mais a veria. Ou conseguiria descobrir o segredo de sua natureza e assim poderia possuí-la mais de uma vez? Gostaria de saber quantos homens já teriam entrado naquele quarto.

A mulher era extraordinariamente bela. Seus olhos eram negros e amendoados, sua boca cintilava, sua pele refletia a luz. O corpo era perfeitamente escultural. Tinha as linhas bem definidas das magras, amaciadas pelas curvas necessárias nos lugares corretos.

A cintura fina aumentava a proeminência dos seios. Suas costas pareciam as de uma dançarina, e cada ondulação destacava mais a generosidade de seus quadris. Ela sorriu para George, com os lábios carnudos entreabertos. Ele aproximou-se e colou a boca naqueles ombros nus tão perfeitos. Nada poderia ser mais macio do que sua pele. Que tentação de puxar o frágil vestido e desnudar os seios que pareciam querer saltar de sob o tecido! Que vontade de despi-la imediatamente!


Mas George sentiu que aquela mulher não poderia ser tratada de modo tão sumário, que ela merecia sutileza e habilidade. Nunca em toda a sua vida ele pensou tanto em cada gesto, nunca agira com tanta ciência e arte. Mostrava-se determinado a um longo cerco e ela não dava sinais de pressa. Demorou-se sobre seus ombros nus, inalando, deliciado, o perfume maravilhoso que se desprendia daquele corpo.

Poderia tê-la possuído ali mesmo e naquele instante, tão poderoso era o seu encanto, mas queria que ela primeiro fizesse qualquer sinal indicando que desejava ser excitada. Não queria senti-la dócil ou apática ao contato de seus dedos.

Ela parecia surpreendentemente frígida, obediente, mas sem emoção. Não havia uma só agitação em sua pele. Embora sua boca estivesse entreaberta para o beijo, ela não reagiu com ardor.


Ambos ficaram parados perto da cama, sem se falar. Ele passou a mão pelas curvas de seu corpo, como se quisesse se familiarizar com ele. Ela não reagiu, nem se moveu. George deixou-se escorregar vagarosamente até cair de joelhos enquanto lhe beijava e acariciava o corpo. Pelo tato podia dizer que estava nua por sob o vestido. Levou-a até a beira da cama e ela se sentou. Tirou-lhe os sapatos e segurou seus pés.

Ela sorriu, delicada e convidativamente. George beijou-lhe os pés, e suas mãos subiram por baixo do vestido comprido até a pele macia das coxas.

Ela libertou os pés e com eles pressionou o peito de George, cujas mãos voltaram a acariciar suas pernas por sob o vestido. Se a pele dela era tão macia nas coxas, como seria então onde é sempre macia, nas proximidades do sexo? As coxas estavam firmemente juntas, para que George não continuasse sua exploração. Ele se ergueu e depois debruçou-se sobre ela a fim de beija-la, forçando-a a se reclinar. Quando ela se deitou, suas pernas se abriram ligeiramente.

George continuou a acariciar-lhe todo o corpo, querendo incendiar cada poro com o toque ardente de suas mãos, procurando estimulá-la dos ombros aos pés, querendo prepará-la para o momento em que escorregaria a mão por entre suas pernas, mais abertas então a um ponto que quase poderia alcançar-lhe o sexo.


Com os beijos, ela se despenteara e o vestido escorregara, descobrindo-lhe parcialmente o busto. George acabou de puxá-lo com a boca, revelando os seios que imaginara, tentadores, firmes, imaculados, e com os bicos cor-de-rosa semelhantes aos de uma menina.

A submissão dela quase fazia George desejar machucá-la, de modo a conseguir estimulá-la. As carícias o haviam excitado, mas não a ela. Mas não era possível. Seu corpo prometia muita sensualidade. A pele era tão sensível; a boca, tão generosa! Impossível que ela nada sentisse. Continuou a acariciá-la sem parar, de modo sonhador, fingindo não ter a menor pressa, esperando que a chama se acendesse.

Dezenas de espelhos os cercavam, repetindo a imagem de uma linda mulher deitada, com o vestido puxado para baixo do busto, os pés perfeitos e nus balançando para fora da cama, as pernas ligeiramente abertas.

Tinha que despi-la por completo, deitar-se ao seu lado, sentir-lhe todo o corpo colado ao seu. Começou a baixar o vestido e ela o ajudou. Seu corpo apareceu como o de Vênus, nua, saindo do mar. Ergueu-a um pouco para deitá-la por inteiro na cama, e nem por um instante parou de beijá-la em todas as partes.


Foi então que aconteceu algo estranho. Quando George se inclinou para regalar os olhos com a beleza de seu sexo, ela estremeceu e ele quase gritou de alegria.


Ela murmurou:

— Tire a roupa.


Ele se despiu. Nu, conhecia sua força. Sentia-se mais à vontade desnudo do que vestido, porque fora atleta, nadara, fizera muitas caminhadas, praticara montanhismo. Viu então que poderia agradá-la.

Ela o contemplou.


Teria gostado? Ao se deitar, encontrou-a reagindo melhor. Não poderia dizer com certeza. Já a desejava tanto que não podia mais esperar para tocá-la com a extremidade de seu sexo, mas ela o deteve. Queria antes beijá-lo e acariciá-lo, e se pôs a fazê-lo com tanta ansiedade e abandono, que o deixou inteiramente à vontade para, por sua vez, acariciá-la e beijá-la onde bem desejasse.

E George cedeu à deliciosa tentação de explorar e tocar cada canto de seu corpo. Abriu a entrada de seu sexo com dois dedos, e, excitados, seus olhos se deleitaram no delicado fluxo de mel, nos pêlos cacheados tão sedosos. A boca de George ficou cada vez mais ávida, como se ela própria fosse um órgão sexual capaz de conduzi-lo a um patamar de prazer absolutamente desconhecido se ele continuasse a acariciá-la. E quando, presa de tão deliciosa sensação, George mordeu-a, sentiu-a de novo estremecer de prazer. Então afastou-a de seu sexo, temendo que ela pudesse atingir o orgasmo simplesmente por beijá-lo, acabando por frustrá-lo em seu desejo de sentir-se dentro daquele corpo maravilhoso. Era como se ambos tivessem se tornado vorazmente famintos um da carne do outro, e foi assim que suas bocas se confundiram, que suas línguas se misturaram com sofreguidão.


Ela estava excitadíssima. A atuação lenta de George parecia ter, finalmente, surtido efeito. Seus olhos cintilavam, sua boca não podia se afastar do corpo dele. Finalmente ele a penetrou, quando ela se ofereceu, abrindo a vulva com os dedos adoráveis, como se não pudesse esperar mais. Mesmo nessa hora os dois se contiveram sustando seu prazer. Ela sentiu George em silêncio, contida.

De repente apontou para um dos espelhos e disse, rindo:

— Olhe só, até parece que não estamos fazendo amor... como se eu estivesse apenas sentada em seus joelhos. E você, seu tratante, está todo dentro de mim e nem estremece.

Ah, não posso suportar mais isso, esse fingimento, como se eu fosse oca. Estou me sentindo queimar por dentro. Mexa-se agora, mexa-se!


E se atirou sobre ele para poder girar em torno do seu pênis ereto, conseguindo com

tão exótica dança tanto prazer que chegou a gritar. Ao mesmo tempo, um relâmpago de prazer cortou ao meio o corpo de George.

Apesar da intensidade com que haviam feito amor, ela não lhe perguntou o nome quando ele saiu, ou tampouco lhe pediu que retornasse. Deu-lhe um rápido beijo nos lábios e mandou-o embora. Meses depois a lembrança daquela noite ainda o perseguia e ele não foi capaz de repetir a mesma experiência com nenhuma outra mulher.

Um dia encontrou um amigo que acabara de ser regiamente pago por uns artigos que escrevera e que o convidou para um drinque. No bar, ele contou a George a história espetacular de uma cena que tinha testemunhado. Estava gastando dinheiro a rodo em um bar quando um cavalheiro de aparência muito distinta o abordou e sugeriu-lhe um agradável passatempo: observar uma magnífica cena de amor. Como, por acaso, o amigo de George era um voyeur convicto, a sugestão havia sido aceita e pronto. Ele fora levado a uma casa misteriosa onde o esconderam em um quarto escuro de onde vira uma ninfomaníaca fazer amor com um homem especialmente bem-dotado e potente.


O coração de George parou de bater.

— Descreva essa mulher — pediu ele.

Seu amigo descreveu a mulher com quem George fizera amor, até mesmo o vestido de cetim. Descreveu também a cama com dossel, os espelhos, tudo. Pagara cem dólares pelo espetáculo, mas valera a pena, pois tinha durado algumas horas.

Pobre George. Durante meses a fio ficou desconfiado de todas as mulheres.

Não podia acreditar em tanta perfídia, em tamanha capacidade de fingir. George ficou obcecado pela idéia de que todas as mulheres que o convidavam para seu apartamento estavam escondendo um espectador atrás de alguma cortina.



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